terça-feira, 25 de abril de 2017

HAVOK - CONFORMICIDE, 2017 - CENTURY MEDIA



O quarto trabalho do quarteto de Denver (Colorado, EUA), lançado no mês passado, demonstra a qualidade, versatilidade e domínio dos thrashers, inserindo a banda como uma das mais consistentes na cena do moderno thrash metal atual.
Com uma formação diferente da que gravou o antecessor Unnatural Selection (2013 – Candelight) e também em um novo selo (Century Media Records), Conformicide possui uma diferença em relação aos outros discos da banda, sendo bem presente o seu caráter experimental principalmente pela inclusão de vários elementos (marcha militar, trechos de noticiário) e estilos (soul, funk, acústico). Além disso, vemos em Ingsoc características progressivas, com longa introdução e riffs mais cadenciados e prolongados, bem como um solo extenso sobre uma base expansiva típica dos trabalhos desse estilo. No entanto, se pensarmos a evolução do estilo como um todo e a presente cena, não temos a adição de nenhuma transformação significativa que redefina a maneira de fazer thrash metal.
Isso não significa que o disco seja ruim, muito pelo contrário, o álbum é muito complexo e preciso em sua execução, apresentando criatividade e domínio técnico dos instrumentos por parte dos integrantes em cada passagem e riff. Assim, podemos elencar esse trabalho como um excelente sucessor do já clássico Time is Up (2011 – Candelight) que apresentou a banda ao mundo.
Pessoalmente, a principal contribuição de Conformicide é a sua parte lírica. Como é comum em quase todos os discos de thrash há uma marcante presença da discussão dos problemas sociais e políticos do mundo atual, focando sempre nos temas como guerras, violência, religião, etc.
Todavia, nesse disco a banda não se utiliza de “meios termos” ou analogias para tecer suas críticas. É possível ver isso nas faixas Hang ’Em High e Peace in Pieces, nas quais falam diretamente para a indústria armamentista americana que pressiona e suborna o governo para tomar atitudes belicosas visando aumentar seus ganhos as custas da morte, destruição e sofrimento alheio. Não há nenhum receio de afirmar que os verdadeiros inimigos não estão “além do oceano”, mas são domésticos, são eles as “cobras da américa”.
Trabalhando em um plano mais conceitual, as faixas F.P.C, Intention to Deceive e Ingsoc discutem sobre dominação, principalmente o controle das mentes. A crítica é clara aos veículos de comunicação ao iniciar uma das músicas com um noticiário no qual somente informa notícias sem importância, desviando a atenção para os reais problemas da sociedade. Dessa forma a opinião é massificada e o controle é facilitado pelos governos.
Outro tópico que recebe “homenagens” no disco é, como não poderia ser diferente, a religião/religiosidade. São 3 músicas dedicadas ao tema (Dogmaniacal, Masterplan e Claiming Certainty) nas quais encontramos letras que questionam a vontade divina na crença de um plano melhor criado sobre um mundo de miséria e caos, bem como aos manipuladores que se utilizam da religião para controlar seus membros e determinar como deve ser a vida e atitudes deles.
Finalizando o disco, Circling the Drain vai na contramão do restante das faixas, incorporando uma mensagem positiva de que, mesmo diante do “colapso total” a humanidade vive um momento crucial, no qual é possível, a longo prazo, fazer renascer a sociedade. No entanto é preciso que seja feito algo nesse exato momento, caso contrário seremos sugados pela “descarga”.
Após os 57 minutos em que demos play no cd a impressão final é que estamos diante de um trabalho conciso e extremamente bem executado, seja pensando o estilo como um todo ou nos elementos que a banda insere em cada música, sem, contudo, revolucionar a fórmula estabelecida do thrash metal.

Obs.: nas edições em digipack e vinil, ambas ainda sem lançamento nacional, há 3 faixas bônus: uma faixa extra, uma ao vivo e outra cover do Pantera.

Ficha técnica
País: Estados Unidos
Lançamento: 31 de março de 2017
Gravadora: Century Media Records
Produção: Steve Evetts

Banda
David Sanchez – vocais e guitarra
Nick Schendzielos – baixo
Pete Webber – bateria
Reece Scruggs – guitarra

Faixas

1.   F.P.C.                        5:20
2.   Hang 'Em High                 4:49
3.   Dogmaniacal                   5:55
4.   Intention to Deceive          5:42
5.   Ingsoc                        7:41
6.   Masterplan                    6:25
7.   Peace Is in Pieces            5:17
8.   Claiming Certainty            3:42
9.   Wake Up                       5:41
10.  Circling the Drain            7:17
11.  String Break                  0:43 (Digipack e Vinil bonus)
12.  Slaughtered (Pantera cover)   3:55 (Digipack e Vinil bonus)
13.  Claiming Certainty (Live)     3:42 (Vinil bonus)

sexta-feira, 7 de abril de 2017

EXODUS E ANTHRAX: Ruindo o Muro ao som do metal


CHANGING OF THE GUARD (EXODUS - Impact is Imminent - 21 de junho de 1990)


ONE MAN STANDS (ANTHRAX - Persistence of Time – 21 de Agosto de 1990)

Um marco na história mundial, e mais sensivelmente, na história recente do século XX, a queda do muro de Berlim, que teve seus primeiros tijolos retirados em 9 de novembro de 1989, impactou toda uma geração que cresceu em um mundo nitidamente divido pela Guerra Fria.

Como qualquer representação artística, a música não é descolada de sua realidade histórica, muito pelo contrário, ela traz elementos representativos de um momento da humanidade. Com certeza esse gigantesco acontecimento foi representado – não necessariamente da mesma maneira - por músicas da cena do heavy metal e, especificamente nesse artigo, no thrash metal nos inícios dos anos 1990.

Com 10 anos na estrada EXODUS e ANTHRAX configuravam-se como ícones do autêntico e clássico thrash metal quando o muro veio a baixo, a primeira advinda da “mitológica” bay area na Califórnia e a segunda de New York.

Nesse ano essas bandas lançaram, respectivamente, Impact is Imminent (21/07/1990) e Persistence of Time (21/08/1990) que, além de excelentes músicas abordando diversos temas como violência, vida na estrada, etc., não poderiam deixar de dedicar uma faixa para retratar esse acontecimento histórico. Changing of the Guard (EXODUS) e One Man Stands (ANTHRAX) foram as músicas escolhidas pelas bandas.

A faixa do EXODUS prima pelo lado político que o fim da Alemanha Oriental representava para o mundo. Assim, os thrashers da bay area apresentam um mundo dominado por um ditador avarento que divide somente com sua esposa as riquezas e benesses da vida. No entanto, a “mesa virou” e “a revolução tirou o rei do seu trono”, acabando com a tirania ao executar o antigo governante. Para eles o mundo clama por democracia e já passou do tempo de transformar o comunismo nessa forma de governo, sendo impossível conter essa força que irá acabar com a divisão do mundo, até porque a “liberdade é contagiosa e está se espalhando” por ele. A queda do muro significa o fim das divisões entre os seres humanos e ela foi alcançada pelo sacrifício de muitos que tentaram, sem sucesso, atravessar suas paredes. Ela é, portanto, uma conquista do povo.

Dessa maneira, a representação apresentada pela música do EXODUS é que foi pela conquista de povo que o muro ruiu, sendo aberta a democracia e liberdade para eles, no qual as divisões já não existem mais. O discurso então é direcionado para uma nova forma de organização política baseado na liberdade dos indivíduos.

Por outro lado, a música do ANTHRAX tem um tom mais festivo que político, talvez pela característica humorística da banda, é uma comemoração ao fato do “inimigo estar morto”. Ele estava escondido da verdade do mundo – atrás dos muros - até que esse foi demolido e o direito humano a liberdade foi, enfim, tornado livre. O que é necessário agora é destruir os ícones das “ideias retrogradas”, pois agora “a ovelha não teme o lobo, mas ela pega o que quer”.

Assim como na música anterior, essa liberdade é uma conquista, mas não é especificado uma conquista de quem, pois o agente dessa ação é chamado de “um homem que fica em pé”. Assim, o mesmo pode ser interpretado como a associação genérica chamada povo ou ao próprio Estados Unidos.

Portanto, há duas constantes nas faixas abordadas: liberdade e conquista da mesma pelo povo. No entanto, ambos os conceitos são trabalhados diferentes pelas bandas.

Na música do EXODUS liberdade está associada a questão da organização política decorrente da estagnação da URSS, organização essa que é demandada pelo mundo inteiro, ou seja, a democracia. Por outro lado, os músicos do ANTHRAX veem esse conceito como a livre escolha, liberdade religiosa, etc., não sendo associada diretamente a uma forma de organização política, mas direcionada a um sentido individual de liberdade.

O outro ponto comum abordado pelas músicas se refere a queda do muro como uma conquista do povo (embora saibamos que não necessariamente o foi). Aqui há também dois sentidos entre as letras, pois na primeira o conceito povo é apresentado como uma categoria genérica “O POVO”, enquanto para os nova-iorquinos a mesma é representada pela figura de um HOMEM, embora não saibamos quem é ele.

Assim é possível vermos que diante de um acontecimento histórico as visões e representações criadas pelos contemporâneos do ocorrido são diferentes. Embora os conceitos utilizados para demonstrar o fato sejam os mesmos, seu sentido não o é.

Também que é importante notar que havia uma certa euforia com o acontecimento, fazendo com que a forma como ele era visto (pelo menos nesses dois casos) fosse positivo para o mundo. Mal sabiam as bandas que conceitos como democracia e liberdade seriam justificativas de intervenções militares e guerras no início do século vindouro.

sábado, 1 de abril de 2017

PANIKK, DISCARDED EXISTENCE-2017 – XTREEM MUSIC



O sucessor do excelente Unbearable Conditions (Metal Tank Records, 2013), esse segundo disco da banda PANIKK apresenta um salto de qualidade em termos de sonoridade e produção.

Discarded Existence é, a meu ver, a profissionalização da banda, principalmente pelo fato de ter sido lançado pela experiente gravadora espanhola Xtreem Music e pelo exímio trabalho de mixagem e masterização de Domen Hudrap.

Embora tenha sido ele o responsável pelo trabalho de produção, mixagem e masterização do disco de 2013, a impressão que tenho é que o suporte oferecido a banda foi mais profissional (engenheiros, equipamentos, etc.), aproveitando os recursos disponíveis para criar um disco excelente.

Já que falamos sobre mixagem, é possível distinguir nitidamente todos os instrumentos, os quais foram colocados sob medida nas músicas. O grave do baixo sempre acompanhando os velozes bumbos duplos, embora esse não seja o limite para o groove desse instrumento, o qual é bem presente em passagens preenchendo todo o som. A gravação das guitarras também é excelente, sendo possível perceber as duas trabalhando independentemente com as oitavas e riffs, mas em sincronia com todo o restante.

Musicalmente, Discarded Existence apresenta um thrash metal clássico e cheio de influências atuais do estilo e nítida influência do crossover nos vocais. Portanto temos: velocidade, alterações de tempo nas músicas e na dinâmica dos riffs, oitavas de guitarra, graves muito presentes nos pedais da bateria, vocais agressivos, letras críticas.

Um excelente adicional é a utilização de vibratos criando uma sonoridade diferenciada e cadenciada dentro dos riffs. Trechos de músicas como Investigator of War, Rotten Cells são exemplos de introdução desses elementos no novo trabalho.

Em relação aos solos de guitarra, os mesmos são curtos em todas as músicas e, em algumas delas, não senti aquele poder do som destruindo os amplificadores. Faixas como Discarded Existence, Reconstruction, Individual Right servem como exemplos.

No entanto o solo de Under Pretence é matador, veloz e agressivo; utiliza muito bem a escala e é encaixado no momento exato da música, entre gritos e aceleração dos bumbos. Essa música aliás é forte candidata a melhor do disco, ao lado de Rotten Cells.

Um outro elemento muito distinto inserido pela banda é uma curta faixa instrumental no fim do disco chamada Outro. Pois, após toda a pancadaria ao longo das 8 faixas anteriores, são inseridos instrumentos acústicos seguidos de um melódico solo de guitarra.
Isso demonstra, de fato, a versatilidade e capacidade técnica dos thrashers eslovenos.

Analisando a parte lírica, os temas abordados nas canções são tópicos relacionados a guerra, decadência humana, insensibilidade entre os humanos, busca do lucro/riqueza a qualquer custo.

Duas músicas chamam atenção pela letra: Sedated in Utopia e Rotten Cells.

A primeira apresenta uma humanidade perdida, sem saber o que fazer para ter um mundo de paz. Não conseguem se encontrar novamente no mundo porque estão cegos, “comendo” dinheiro e caçando lucro.
Essa crítica a ganância continua em Rotten Cells, pois os “escravos capitalistas abusam do sistema” e são eles quem ditam as regras do mundo. No entanto, eles não esperam a resistência das massas humanas que destruirão o “apodrecido país das mentiras”.

Aplicando todos os ensinamentos de mais de 30 décadas de thrash metal, aprimorando a técnica e, em alguns casos, adicionando elementos, PANIKK entra com os dois pés no peito em uma cena mundial cada vez mais aperfeiçoada.

Ficha técnica[1]
País: Eslovênia
Lançamento: 15 de março de 2017
Gravadora: Xtreem Music
Gravação: agosto e dezembro de 2016 – Demo Studio e Negligence Studio
Produção: Domem Hudrap e PANIKK
Mixagem e Masterização: Domem Hudrap

Banda
Gašper Flere – vocais e guitarra
Rok Vrčkovnik – baixo
Črt Valentić – bateria
Jaka Črešnar - guitarra

Faixas
1.   Instigator of War         06:01
2.   Sedated in Utopia         04:19
3.   Under Pretence            04:49
4.   Individual Right          04:13
5.   Rotten Cells              05:56
6.   Discarded Existence       04:32
7.   Eyes Don't Lie            03:42
8.   Reconstruction            05:01
9.   Outro                     01:58



[1] Fonte: Encyclopaedia Metallum (http://www.metal-archives.com/albums/Panikk/Discarded_Existence/628614) acessado em 22/03/2017